Quando eu chovo
Há dias em que acordo já chovendo. Pode ser chuva apenas repentina e passageira, miúda e frágil... ou garoar um dia inteiro.
Mas há sempre o perigo à espreita... o cerne de uma tormenta quase bestial.
O primeiro momento é de absoluta cautela, intento dar-me vazão em um rio que não aconteceria mais do que transbordar e, quiçá, transformar os arredores em solo fértil. O segundo momento é o esforço porfiado em diluir-me e acabar por passar o dia em poça.
Quando empoçada, sou nostálgica - água parada que não passa - mas, às vezes, a quem se apiede e pouse em mim como uma folha dessas de outono. E, então, até tento fazer vagas para que este que se revelou piedoso possa ter um momento menos enfadonho - sou impertinente enquanto poça.
A ameaça é quando a chuva vem apenas para principiar uma horrível tempestade...
É o vento a remexer na terra e enlamear tudo, trazendo consigo aquilo que já estava deposto. Os trovões de cólera adormecida. A água que não justifica a sua natureza - não rega, não purifica - apenas inunda tudo de lodo - e faz a vista ficar embaçada e entristecida.
Sou tempestade de fel.
O perigo maior: Posso ser tormenta por semanas.
Mas a natureza que em sua erudição incomensurável transforma tudo, afasta-me o vento, aquece-me da frieza insensível e com o sol dissolve-me da apatia e me transforma em chuva miúda... até que eu mesma possa me transformar em outra coisa mais fecunda, menos devastadora... às vezes, um arco-íris.
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